Alan Wake 2 é obra-prima dos jogos e eleva patamar do gênero survival horror | Review (2024)

Você acorda às margens de um lago profundo, próximo a uma floresta inóspita e repleta de obscuridade. A densa mata e árvores gigantescas não o permitem enxergar um palmo a frente, uma hostil e sufocante escuridão o cerca. Será que você está sozinho? Cambaleando, você enxerga luzes de lanternas e ouve vozes desconhecidas. Seriam amigos ou inimigos? São humanos que se afugentam com algo incógnito. Vozes ecoam em sua cabeça, ao mesmo tempo em que vultos e algo maligno que está atrás de ti assombram sua visão turva de medo. Você tenta fugir de tais seres assombrados, só para se deparar com um grupo de mascarados uniformizados com máscaras de galhadas de cervos tentando o capturar. Eles o cercam, atiram em sua direção, você corre pela sua vida, mas sem êxito algum. Eles o capturam e o amarram estirado sob uma mesa, um deles porta uma afiada faca e... o que vem a seguir você terá que descobrir ao jogar.

Relacionado:

  • Alan Wake 2 recebe trailer de DLC com três novos personagens jogáveis e ligação com Control
  • Estúdio de Alan Wake e Control, Remedy cancela projeto de jogo multiplayer
  • Aclamado pela crítica e indicado a Jogo do Ano de 2023, Alan Wake 2 ainda não deu lucro para a Remedy

Parece um cenário assustador, não é? Porque de fato é, e essa foi uma breve descrição do trecho inicial de Alan Wake 2, novo jogo da Remedy Entertainment que dá sequência ao título de mesmo nome lançado em 2010.

Alan Wake 2 é obra-prima dos jogos e eleva patamar do gênero survival horror | Review (1)

Alan Wake não foi um grande jogo que bateu recordes de vendas e atraiu um público massivo durante o lançamento. Entretanto, a fama veio aos poucos, a obra se tornou bastante querida pelos gamers e ganhou o status de game cult, o que lhe rendeu uma continuação 13 anos depois.

Durante minha jornada de mais de 18 horas, me senti totalmente intrigado pela trama apresentada, que somada a uma exploração bastante recompensadora, um excelente gameplay, ambientação e cenários verdadeiramente assustadores e uma trilha sonora de tirar o fôlego, fazem de Alan Wake 2 uma preciosidade dos jogos e uma obra-prima do terror.

“Não é um lago, é um oceano”

O título é uma sequência direta de AW1 e é de suma importância que você jogue o primeiro jogo e as DLCs (The Signal e The Writer), o standalone American Nightmare e até mesmo Control para uma compreensão total do complexo enredo de Alan Wake 2. Na nova empreitada repleta de mistérios da Remedy, jogamos com o escritor que dá nome ao jogo, mas a novidade fica por conta da agente do FBI Saga Anderson, nova personagem da franquia que nós controlamos durante boa parte da campanha.

Alan Wake 2 é obra-prima dos jogos e eleva patamar do gênero survival horror | Review (2)

Saga e seu parceiro Alex Casey (interpretado por Sam Lake, diretor do jogo) são enviados a Bright Falls — cidade do primeiro game — para a investigação de uma série de assassinatos misteriosos. O caso é bastante curioso, já que uma das vítimas estava desaparecida há 13 anos e aparece morta de forma extremamente brutal. Durante a investigação nos deparamos com eventos sobrenaturais e com manuscritos misteriosos que contam fatos que iriam acontecer posteriormente com a agente Anderson, exatamente como ocorria com Alan no primeiro jogo.

Não posso dar muitos spoilers a respeito da história, mas após certos acontecimentos, Alan e Saga se encontram e descobrem que devem se unir para derrotar uma força superior. No entanto, quando jogamos com Wake, estamos no Lugar Obscuro e precisamos fugir dele, onde o protagonista ficou preso após o final do primeiro jogo. Em suma, nosso objetivo é sair do Lugar Obscuro com Alan, e com Saga evitar uma tragédia familiar que tem ligação misteriosa com os manuscritos de Wake.

O desenrolar da história pode parecer confuso em certos momentos por conta do uso da metalinguagem e da linha do tempo em que as coisas acontecem, mas tudo se encaixa na reta final, com direito a excelentes plot twists e momentos verdadeiramente épicos. O terror presente na trama acrescenta uma camada de imprevisibilidade e mistério, tornando a produção bem assustadora. Embora, algumas vezes, o jogo não tenha me dado muito medo, ele investiu muito nos sustos — alguns até mesmo me fizeram largar o controle por alguns minutos. Alan Wake 2 é repleto de jump scares, mas eles não são enjoativos e previsíveis: o game espera você se sentir seguro para te assustar, mostrando que em um survival horror nenhum lugar é tranquilo — exceto a save room.

As cutscenes do game são espetaculares, principalmente durante a campanha de Alan, que adiciona cenas live-action. E aqui devo destacar a atuação de Ilkka Villi, ator que dá vida à Alan Wake com maestria. Melanie Liburd também arrebenta no papel de Saga, no entanto, algumas vezes, a personagem dela não demonstra medo mesmo lidando com o sobrenatural pela primeira vez. Sei que ela é uma agente treinada do FBI e deve ter lidado com os mais horrendos casos, mas essa é a primeira experiência dela com algo sobrenatural e, mesmo assim, muitas vezes ela não parece assustada, ao menos essa foi a minha impressão. Porém, a partir de certo ponto da trama, a personagem ganha uma camada tocante.

Alan Wake 2 é obra-prima dos jogos e eleva patamar do gênero survival horror | Review (3)

Os personagens secundários também são excelentes e contribuem bastante para o carisma do enredo. Tor e Odin, da banda The Old Gods of Asgard, estão de volta e trazem um ar cômico para um enredo tão sério e assustador. Alex Casey deve ser o personagem com mais tempo de tela além de Saga e Alan. Interpretado por Sam Lake, diretor do jogo, Casey é um antigo agente do FBI que nos ajuda durante a trama, é um bom personagem e desempenha um papel fundamental para o desenrolar da trama. E não posso me esquecer do faxineiro Ahti, que é uma figura bastante enigmática e me trouxe um dos diálogos mais reflexivos que já vi nos jogos.

O nível narrativo de Alan Wake 2 é um dos mais altos dentro dos games e é fortíssimo candidato à melhor narrativa e direção em 2023. A cinematografia é genial e me lembrou um pouco Immortality — um dos melhores jogos de 2022 — durante trechos live-action. O enredo possui reviravoltas impactantes que culminam em um final desconcertante e curioso, que deixa até mesmo brechas para uma possível sequência. Com uma trama espetacular, eu enxergo AW2 no mesmo nível que Silent Hill 2, considerado por muitos como o melhor survival horror já feito.

Gameplay tem o que há de melhor no survival horror moderno

Alan Wake 2 é obra-prima dos jogos e eleva patamar do gênero survival horror | Review (4)

O jogo usa a mesma base de gameplay do primeiro, já que nossos inimigos ainda são os Possuídos, que ficam vulneráveis quando expostos à luz. Ou seja, o combate ainda consiste em atordoar seus inimigos com a lanterna e finalizá-los com a arma. Ao enfraquecê-los com a luz, no entanto, agora aparecem alguns pontos vermelhos que, caso atingidos, causam dano crítico às criaturas, exceto as Sombras — inimigos da campanha de Alan. Em combate, o game usufrui de uma base bem sólida, só que mais responsiva, e com uma pitada de Resident Evil 2 Remake, já que até mesmo o inventário do seu personagem é semelhante ao jogo da Capcom de 2019. Ainda temos a esquiva, que pode ser útil, mas ela ainda é bem lenta e, às vezes, você é atingido mesmo apertando para desviar-se do ataque.

Porém, toda a jogabilidade ganha uma sensação especial ao ser aproveitada com um controle Dualsense, do PS5. Os gatilhos adaptativos fazem você sentir que realmente está atirando com uma arma e o feedback háptico torna o jogo ainda mais imersivo, especialmente em momentos de chuva, no qual a vibração do controle te faz sentir o impacto dos pingos que caem sob nossos personagens.

Quanto aos inimigos do jogo, os Possuídos continuam aqui, com algumas variantes. Temos a Seita da Árvore, inimigos destacados durante os trailers que sempre estão com máscaras de cervo, e os Afogados, que deram as caras no trailer exibido durante o Xbox Partner Preview e são realmente assustadores. Temos também as Sombras, presentes apenas na campanha de Alan. Nenhum desses inimigos é verdadeiramente difícil — exceto pelos lobos que estão na campanha de Saga, pois matá-los é desafiador, já que eles possuem um comportamento bem imprevisível — ou apresenta muito risco para o jogador, exceto quando estão em grupo, o que torna o combate uma tarefa bem desafiadora nesses momentos. Vale destacar também as batalhas de chefe que temos durante a campanha de Saga. Não posso dar spoilers, mas todas são muito boas, e uma delas, que acontece em um cenário com bastante água, realmente me amedrontou e me trouxe um medo nostálgico, que me remeteu ao auge do gênero survival horror.

O poder da escrita e da interpretação dos fatos

A grande novidade e um dos maiores brilhos do game não está nos embates contra os Possuídos, mas sim na exploração e resolução de casos e mistérios. Como mostrado em alguns trailers, Saga e Alan possuem locais mentais, que são espaços metafísicos, e ali está a maior novidade e o ponto que me impressionou em Alan Wake 2.

Alan Wake 2 é obra-prima dos jogos e eleva patamar do gênero survival horror | Review (5)

Anderson possui o Lugar Mental, espaço onde ela assimila com mais facilidade provas dos casos que investigamos ao longo da campanha com a policial. Dentro dele, lemos os manuscritos deixados por Alan, vemos as fitas de TV, ouvimos as músicas e programas de rádio que encontramos ao longo da exploração e melhoramos o arsenal de Saga, que pode ser melhorado ao acharmos fragmentos de manuscrito que ficam em lancheiras espalhadas pelo mapa. E também temos a função de Perfil. Para auxiliar na investigação, Saga possui um ótimo senso de interpretação dos fatos, o que lhe permite “entrar” na mente das pessoas e interpretar o caso do ponto de vista do investigado. Essa mecânica traz ótimos momentos para a história e é nela que encontramos muitas respostas.

Alan Wake 2 é obra-prima dos jogos e eleva patamar do gênero survival horror | Review (6)

Com Wake, temos a Sala do Escritor, espaço mental onde ele planeja as ideias e plots para seu livro. Ali é onde melhoramos as habilidades de Alan, que são upadas por pontos que obtivemos durante a exploração ao encontramos círculos de palavras que, quando apontamos a lanternas em direção a ele, ganhamos um ponto que pode ser destinado para: Arma, Cura, Reparo etc. Cada círculo representa um atributo e não é transferível para outros. Dentro da Sala do Escritor temos o Quadro de Enredo. Em determinados locais que visitamos com Alan durante a campanha, para progredirmos é necessário que a gente construa um enredo para o lugar. Então, por meio da escrita e ideias que Alan encontra através dos Ecos — esferas brancas e pretas que ao serem alinhadas revelam ideias para o plot do livro de Alan em forma de flashback, e também contam fatos secundárias que ajudam na compreensão da trama —, é possível alterar a estrutura do local através dessas ideias, o que pode revelar itens e caminhos escondidos para a nossa progressão no jogo. Com o escritor também temos a Lâmpada de Anjo, mecânica inédita e capaz de roubar a luz de postes e faróis de carro. Essa claridade espanta a escuridão e é capaz de alterar os cenários e revelar passagens para que possamos progredir na história.

Em combate o game usa da estrutura do que o gênero survival horror tem de melhor nos dias atuais, já que as mecânicas se assemelham muito à fórmula consolidada dos atuais Resident Evil. Ao mesmo tempo, o game brilha na exploração e nos locais metafísicos de cada um dos personagens e traz elementos inéditos para a franquia. É muito divertido e intrigante ficar investigando e ligando as provas dos casos com Saga, enquanto alterar os lugares a partir da escrita de Alan é realmente incrível.

O mais puro survival horror

Alan Wake 2 é obra-prima dos jogos e eleva patamar do gênero survival horror | Review (7)

Diferentemente do primeiro jogo, que é um thriller de ação e aventura com pouco ou quase nada de terror além da própria ambientação soturna, Alan Wake 2 decidiu mergulhar de cabeça no gênero do survival horror e fez uma estreia magnífica. Uma das características principais desse tipo de jogo é o ar misterioso e os ambientes inóspitos, escuros e claustrofóbicos para infligirem o mais puro medo e insegurança no jogador. E nisso, AW2 acerta em cheio, por conta de uma ótima ambientação que traz cenários diversos, como um perigoso asilo, hospitais, um assustador hotel e muito mais, características que, acompanhadas do áudio impressionante e a fantástica trilha sonora, tornam a experiência formidável.

Muita coisa neste jogo me remete a grandes títulos do gênero como Resident Evil e Silent Hill, e há até mesmo uma pequena referência do agente Casey a Parasite Eve.

Outro elemento importante para um ótimo survival horror são os puzzles, que aqui em Alan Wake 2 não pecam em nada. Desde quebra-cabeças que envolvem a troca de ambientes com a Lâmpada de Anjo de Alan até achar a combinação de um cadeado que está escondida em livros do ambiente para obter uma nova arma com Saga, tudo é inteligente e bem montado.

Temos caixas de itens que funcionam como os baús de Resident Evil, ótimos puzzles, um leva e traz de itens que fazem a exploração do mapa ser satisfatória, uma atmosfera horripilante, momentos amedrontadores — principalmente a tela de morte de Alan, que é muito perturbadora — e sustos, muitos sustos. Todos os elementos que um excelente survival horror exige ter estão presentes no game da Remedy. Por isso, defendo que Alan Wake 2 já figura entre os melhores jogos da história do gênero e coroa um excelente ano para os fãs do horror de sobrevivência. É um game que pode olhar de igual para igual para Silent Hill 2, Resident Evil 2 e outros clássicos que moldaram o gênero.

Bugs e problemas técnicos ofuscam potencial máximo do jogo

Durante a minha experiência completa do jogo, tive poucos problemas técnicos (apenas um crash me ocorreu) e pouquíssimas quedas de frames, tanto no modo desempenho quanto qualidade. No entanto, um bug grave aconteceu comigo e impediu meu progresso no jogo. Já na reta final da campanha, tive um bug em uma das últimas missões com Alan que não me permitiu progredir na história. Conforme dito no tópico sobre a gameplay, com Wake temos que escrever a história de certos lugares pelos quais passamos para que possamos progredir no game, e as ideias para a construção do plot do local são obtidas através de Ecos que precisam ser alinhados para obtermos uma peça central do enredo, assim permitindo a nossa progressão. Porém, comigo houve dois Ecos em determinado ponto do jogo que simplesmente se recusaram a se alinhar, me impedindo de progredir no jogo. Mas, a falha já foi solucionada com o patch de atualização 1.05.

O problema foi resolvido em 27 de outubro de 2023, data oficial do lançamento do jogo. Como foi solucionado ainda no dia em que o jogo ficou disponível para o público geral e não afetará muito o consumidor final, não deixarei esse problema impactar a nota e o veredicto sobre o jogo. Porém, é de extremo descuido da Remedy Entertainment deixar um bug grave como esse passar dos testes do jogo e chegar na versão do game disponibilizada para reviews.

Alan Wake 2 é obra-prima dos jogos e eleva patamar do gênero survival horror | Review (8)

É importante relatar também um problema com as legendas PT-BR do game. Muitas vezes elas estão dessincronizadas, não aparecem, atropelam falas que não aconteceram ainda ou se acumulam e tomam conta da tela inteira. Não sei se o problema já foi 100% resolvido pois acabei optando por jogar com legendas em inglês, mas isso é um grande empecilho para quem não fala inglês e pode ter a experiência prejudicada por conta desta falha. Outro bug que aconteceu comigo já no final do jogo foi em um monólogo de Alan em que a voz do personagem ficou extremamente baixa e eu tive que acompanhar a história somente pelas legendas, pois não conseguia ouvir nada.

O título foi lançado bem otimizado, claro que com ressalvas como as acima citadas, mas no PlayStation 5 tive uma experiência muito satisfatória de modo geral. Alguns problemas ofuscam o potencial máximo do jogo, mas tirando esses contratempos, sendo o mais grave deles já resolvido, estamos diante de uma verdadeira jóia e obra-prima dos games.

Alan Wake 2 é uma complexa, emocionante e estarrecedora jornada pelo mundo do terror. A narrativa é extremamente bem construída e brinca com a metalinguagem de forma impressionante. O gameplay usufrui de uma base sólida e consolidada dentro do gênero survival horror que é ampliada graças aos locais mentais dos personagens. Repleto de momentos horripilantes, chocantes e com reviravoltas de arrepiar, o jogo apresenta um dos melhores enredos já feitos nos games. Infelizmente, bugs ofuscam o potencial máximo do título, mas a obra da Remedy Entertainment é uma verdadeira jóia dos games e chega para brigar pelo GOTY (prêmio de Jogo do Ano) de 2023. Demorou 22 anos para um jogo finalmente ameaçar o posto de Silent Hill 2 (2001) como melhor survival horror da história, e a obra-prima da Remedy pode olhar para o clássico atemporal da Konami de igual para igual nessa disputa.

Alan Wake 2 é obra-prima dos jogos e eleva patamar do gênero survival horror | Review (2024)

References

Top Articles
Latest Posts
Article information

Author: Manual Maggio

Last Updated:

Views: 5683

Rating: 4.9 / 5 (69 voted)

Reviews: 84% of readers found this page helpful

Author information

Name: Manual Maggio

Birthday: 1998-01-20

Address: 359 Kelvin Stream, Lake Eldonview, MT 33517-1242

Phone: +577037762465

Job: Product Hospitality Supervisor

Hobby: Gardening, Web surfing, Video gaming, Amateur radio, Flag Football, Reading, Table tennis

Introduction: My name is Manual Maggio, I am a thankful, tender, adventurous, delightful, fantastic, proud, graceful person who loves writing and wants to share my knowledge and understanding with you.